Friday, February 06, 2015

Anfíbio

“Isso é normal?”
Era possível a ouvir pensar, como quem aguarda resposta.
Chuva pela manhã, outra vez.
Aquele verão havia seguido sem cores como que para se despedir com delicadeza.
Ela, que ainda não fizera as pazes com o calor, estava a onze dias de se mudar para uma terra ainda mais quente.
É verdade que nascera no verão, ironia do destino talvez.
Nunca soube apontar se era dos dias quentes que não gostava, ou se ainda era da verdade que eles carregam consigo.
Não se pode fugir no suor.
Seu próprio liquido escorre, delimitando dimensões. 
Ela fica física, palpável, deixa de ser somente um produto da imaginação.
Algo sobre o cinza a faz respirar fundo.
À margem dos lugares que invade.
Por vezes distante, sempre indevida.
É sob os respingos d'água que cessam os questionamentos.
Não há o que pensar, ela sentir.
Íntegra, no molhado existe. 


Wednesday, November 19, 2014

contradição.

Insatisfação recorrente apesar da singular característica de se adaptar.
Faz isso sem esforço, sempre fez.
É na constância do que vem antes que se desfaz.
Carrega para dentro de cada novo conforto a reprodução dos ciclos, daqueles mesmos, dos quais nunca se engraçou.
Já não lembra se pode colher créditos pela autoria desses; vítima das consequências de outrem?
Até tenta, mas seria fácil e ela não enxerga leve.
Basta de reflexões cansadas! Insiste.
Não.
Insiste mesmo é em reagir aos pensamentos como quem manuseia sentenças.
Essa arte da qual não se desprende, da qual se lambuza.
Ainda quando sonha permanece acordada.
Ainda que desperta segue distante.
Refém de uma mente oriunda de universos paralelos.
Repete tudo que conhece.
Conhece tudo que repete.
Nada entusiasta das verdades absolutas.
Sempre quis se abraçar daquela uma única coisa em que não consegue pôr as mãos, si mesma.


Sunday, November 13, 2011

'Noiva' - Borris Kossoy


"Nós não vemos as coisas como elas são, porém como nós somos"

Wednesday, March 17, 2010

... quero te ver. Quero muito! Mas eu sinto que não posso entrar numa relação, seja ela qual for, com alguém que não me respeite. Eu entendo que precises pensar nela, em vocês. Mas eu preciso que alguém pense em mim. Então eu farei isso.

Tuesday, November 24, 2009

Pulso.

Noites ensolaradas tomam posse do meu sono.
Todo raio de luz me estende a mão em companhia.
Despidas as semanas se expões em dias, carregam-me inerte por caminhos secos onde rachaduras craquelam meus pés descalços.
Acordei em abril no mais quente dos invernos, a neve derretida em pó saltava virgem dos meus olhos.
Duros suspiros rasgavam os braços colados à cama, cansado o travesseiro apoiava a impertinente seqüência pensativa.
Era naquelas paredes que eu entupia minhas verdades, toda mobília roubava de mim a forma e naquele eu tão bem de mim refletido lia-se a impossibilidade de esquecer.
Lençóis manchados beijavam meus ouvidos:
- Dorme criança, que é no peito que a alma morre.

Gota.

Corre!
Corre da água.
É lá que tuas sensações tomam sentido.
Que é no ventre alheio que tua linha cria forma.
A carne mole que arrasta o gozo lambuza as pernas cruzadas,
Aperta o tronco que te afunda os sonhos.
São desejos mortos, meu bem.
Toda escrita desenhada com o suor dele, nas costas dele, nas tuas mãos.
Mas corre, corre da água.
Que é na gota dele que engoles amor.

Saturday, March 28, 2009

Parte três.

Acendeu o cigarro com a mão esquerda, havia tempos em que não mais transpirava café.
Todo coração batido não passava de barulho, sonoro tic-tac compulsivo, relembrando que a vida nada era além de repetição.
Era nada além de linha, cordão curvo onde se prendem idéias, onde se mordiam palavras na esperança de qualquer fé.
Era fio forte, de morte dura.
Era morte fácil, de febre fria.
O mais árduo dos relógios contado em ré.

Parte dois.

Embora a roseira insista nesse abril, o copo se abre feito um corpo.
É poço fundo, sem panos quentes,
É boca aberta, língua, é dente.
Vontade que se engole em desperdício, suor de quem não escorre, gozo que não se tem.
Acordou-se num domingo e a água que escorria a pia molhava o vestido.
Nem era dia, nem era noite.
Era qualquer coisa como um meio, um suplício, sacrifício por atenção;
Qualquer dito necessitado de nome, mostrando um rosto sem feição.
Deu duas voltas, mais outra, foi novamente ao início e se perdeu em razão.

Clínica.

Perdeu-se em folha como se fosse nota, tomou goles de si mesma sem desesperar a solidão.
Houve um dia, fosse um ano, em que cada tom era fibra nervosa, musculatura contraída de não saber, não querer.
Em que cada cheiro, cada jeito era meramente um não simplesmente dito.
3/4 em 7/8, toda meia viva na prostituição.
Fosse santa, fosse minha, foi-se embora, como vinha.
Foi como um ontem, um doce.
Foi-se como hoje, como um não.

Thursday, December 11, 2008

Achei num caderno.

Mas eu costumo contar desde que as coroas e seus charmosos pés de galinhas dormiam franzidos com as bocas uma na outra.
Como bolas de vidro giram num seio coberto de sangue e onde seus gritos por clemência são abafados por um carrinho de picolés.
Pensamentos lúdicos, pensamentos lúbricos.
Há muito te quis como homem.
Há muito te quis como enfeite, objeto e espelho.
Há muito a diferença aqui era a pontuação.